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sexta-feira, janeiro 15, 2021
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quarta-feira, janeiro 14, 2015
Os avós dos avós
quinta-feira, julho 24, 2014
Dos silêncios criminosos
quarta-feira, dezembro 25, 2013
und wenn das Herz auch bricht...
quinta-feira, dezembro 05, 2013
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sábado, março 09, 2013
Notas sobre um cartesianismo popular
quarta-feira, dezembro 05, 2012
Do inesquecível encontro amoroso
segunda-feira, outubro 08, 2012
Considerações sobre a sklerokardia
quarta-feira, outubro 03, 2012
Da importância da releitura
quinta-feira, setembro 06, 2012
Do piriri literário
terça-feira, agosto 28, 2012
Das esferas aos círculos
quinta-feira, julho 26, 2012
Da eutanásia radical
terça-feira, julho 03, 2012
quarta-feira, junho 13, 2012
Uma última porta
quarta-feira, maio 23, 2012
Verweile doch! Du bist so schön!
segunda-feira, maio 14, 2012
et veritas liberabit vos
terça-feira, abril 17, 2012
O avesso da confabulação
sexta-feira, março 02, 2012
Tanto, tanto
segunda-feira, agosto 22, 2011
Deuses em fuga, vícios travestidos
segunda-feira, julho 25, 2011
O que se chama imprudência
terça-feira, julho 05, 2011
Um elogio aos pesadelos
segunda-feira, maio 16, 2011
Fearful Symmetry
segunda-feira, abril 25, 2011
Uma tarefa para os historiadores
terça-feira, abril 19, 2011
"A fina, a doce ferida"
terça-feira, abril 12, 2011
Vae mundo
sábado, março 26, 2011
Carême dixit
sexta-feira, dezembro 24, 2010
"Are these the shadows of the things that Will be, or are they shadows of things that May be, only?"
domingo, dezembro 05, 2010
"Cantiga para não morrer"
sexta-feira, agosto 06, 2010
Nossas mentiras
Algumas línguas guardam importantes distinções: muitas reconhecem, por exemplo por meio de afixos, uma diferença fundamental entre possessões alienáveis, geralmente conquistadas com algum esforço, e as inalienáveis. Na língua maori, a escolha entre um ou outro possessivo na expressão "tenho os olhos de minha amada" deixaria claro se estou dizendo simplesmente que meus olhos se parecem com os dela ou se por algum bom motivo os arranquei e agora morbidamente os carrego comigo. Na língua luo, clássico exemplo, ao dizer "o osso do cachorro" uma sutileza fonética há de esclarecer se me refiro a um osso que constitui o esqueleto do cão ou a um osso que ele agora se compraz em roer.
A língua yabem distingue da relação de possessão que há na propriedade de um bem (a ovelha do pastor) a especificidade da relação de possessão que há entre uma parte e seu todo (os galhos da árvore). A língua chichimeca tem pelo menos doze diferentes classes de construções possessivas. O massai, por sua vez, distingue em meio aos seus nomes aqueles que designam coisas que podem (animais domésticos, ferramentas) e aqueles que designam coisas que não podem (animais selvagens, fenômenos da natureza) ser possuídas. Em georgiano, distintos verbos nomeiam a posse de objetos animados ou inanimados.
Ao utilizar os mesmos termos e uma mesma sintaxe para descrever relações tão díspares entre nós e o mundo é muito fácil perder de vista as diferenças, afundar na indistinção. Estou convencido: uma parte considerável de nossos problemas, nos mais variados níveis, deve-se a metáforas que se tornaram catacreses.
Se posso propriamente falar em meu sapato, que pode deixar a qualquer momento de ser meu, perdido ou roubado, que posso dar, vender ou destruir, e se não é exatamente essa relação que tenho em vista ao falar de meu pé, certamente não é mais nada disso o que está em jogo quando digo meu coração, condição de possibilidade da permanência de todas as outras posses. A noção de posse, aqui, é substancialmente diferente em cada um dos casos. Apenas por uma certa falta de escrúpulos metafóricos chego a me referir ao coração com a mesma sintaxe com que me refiro a sapatos e não deveria haver tanta surpresa se aquele chega a ser pisoteado.
Quando digo meu relógio, esse objeto que me pertence e sobre cuja existência tenho tanto poder quanto se é possível ter sobre algo nesse mundo, podendo de fato fazer com que, de um instante a outro, ele simplesmente deixe de existir, patentemente não designo aí o mesmo tipo de relação que quando digo meu tempo, essa difusa responsabilidade que tenho de fazer algo com a vida, essa relativa capacidade de organizar atividades, que, se tenho em alguma medida, acaba por me ter em outra tanta, definindo boa parte do que sou. Matamo-lo, como lembra Machado, mas é ele que nos enterra.
Digo minha língua, minha cultura, minha família ou meus valores, como se de fato estivesse em uma relação com essas coisas antes da qual eu já fosse eu mesmo, o que não é de forma alguma verdade: tudo o que sou é já a partir dessas relações, das quais não posso jamais prescindir. Digo minhas idéias, ou minhas lembranças, como se pudesse trocá-las conforme minha vontade, que me devora e constitui. Há coisa menos nossa, afinal, do que o desejo?
Mesmo ateus exclamam meu Deus, mas quem diabos sabe o que isso quer dizer? Meu amor, chamam os amantes, chegando ao tom do desespero na reivindicação da posse de algo que não sabem o que é e que, na mais honesta das hipóteses, se limitam a quererem querer. A pior propriedade não é tanto a que é eventualmente um roubo: a dos amantes, ah, é invariavelmente arroubo.
quinta-feira, junho 24, 2010
ein großes Rätsel
Num pequenino texto redigido em meio à Primeira Guerra Mundial, aqueles anos que subitamente escancararam a implacável transitoriedade a que estava sujeito tudo o que se julgava digno de importância, Freud recorda certo diálogo travado ao longo de uma caminhada de verão em companhia de um jovem poeta. Este se deixava abater diante da paisagem que, não obstante a majestosa beleza, era incapaz de lhe fazer esquecer de seu futuro e inexorável desaparecimento: tudo de belo que a natureza criasse, tudo de elevado que os homens construíssem, os mais nobres sentimentos e valores, as mais doces esperanças, tudo aquilo pelo que se chegasse em algum momento a acreditar valer a pena viver, morrer e matar, tudo isso estaria de antemão, a despeito de sua altivez, inevitavelmente condenado a um desaparecimento gratuito, banal e indiferente a quaisquer desejos outrora alimentados. O psicanalista se recusa a tomar parte na melancolia do poeta. Para sua obstinada miopia monista, a exigência de imortalidade é tão somente um produto de nosso narcisismo e não tem qualquer direito de reivindicar valor de realidade. Ademais, não haveria motivos, insistiu Freud, para que a efemeridade do belo implicasse sua desvalorização.
Teria ele conseguido realmente acreditar no que dizia? Não sentiu ruborizar as bochechas quando logo em seguida confessou que o luto seria, afinal, ein großes Rätsel, um grande enigma? Diante da perda do objeto amado essa “certa medida de capacidade amorosa, chamada libido” se encontraria novamente liberada e procuraria por objetos substitutos em que ancorar, ou retornaria provisoriamente ao eu. “Contudo,” suspira Freud, “nós não entendemos o porquê de esse desprendimento da libido de seus objetos dever ser ein so schmerzhafter Vorgang, um processo tão doloroso, e até agora não somos capazes de explicá-lo por nenhuma hipótese. Observamos apenas que a libido se agarra a seus objetos e não quer renunciar àqueles objetos perdidos mesmo quando dispõe de substitutos. Isso, portanto, é o luto”.
Uma ova! Como assim “das also ist die Trauer”?! Não percebeu que sua definição não era nada senão um atestado de incompreensão? Que sua sofisticada economia de pulsões não explicava, no fim das contas, nada do que realmente importava explicar? Como é desconcertante que não tenha ocorrido a esse homem tão engenhoso colocar sinceramente em xeque seu furioso ímpeto naturalista, mesmo quando sua honestidade o levava a declarar não conseguir compreender o que na linha acima acreditava estar explicando!
A pergunta que o desconcerta, a pergunta diante da qual essa mente sempre tão prodigiosa em hipóteses se cala, é por que diabos, no fim das contas, dói. Nem Freud explicou. E dói! Ainda que haja objetos substitutos disponíveis, que sejam mesmo inumeráveis!, ainda que de modo algum a sobrevivência ou sequer a integridade do sujeito corra riscos diante da perda, ainda que se esteja perfeitamente ciente de tudo isso e que se esteja pronto a reconhecer uma miríade de imperfeições no objeto amado, ainda que se enxergue a própria infelicidade nesse amor, um punhado de insalubridades até, ainda que, enfim, seja o caso de se compreender que a dissolução do vínculo é, sob diversos aspectos, algo positivo, ainda assim mortos hão de ser chorados, deixando ou não saudade. Se a banal transitoriedade do belo é a constatação que bastava para levar o jovem poeta à desesperança, a outra face dessa moeda é a fossa do luto que se instala até mesmo na perda do que há de mais miserável.
Estar na merda é ter saudades da infelicidade.
segunda-feira, maio 24, 2010
Talvez
Na conhecida fábula de Esopo, o menino berrava “o lobo!, o lobo!” e se ria das pessoas que corriam ao seu socorro. Pura meninice ou maldade? Talvez fosse um moleque pentelho, é claro, e sentisse alguma genuína satisfação na travessura. Talvez o tédio lhe devorasse o espírito de modo mais doloroso do que lobos poderiam devorar seu corpo, e o grito de socorro fosse, de fato e a despeito da inexistência dos lobos, um real grito de socorro. Talvez — e as possíveis versões da antiga fábula se deixariam fartamente multiplicar — o menino se sentisse demasiado inseguro e tentasse se convencer, por meio de sucessivos e mal elaborados testes, que uma ajuda realmente viria se chegasse a precisar dela. Talvez enxergasse mal e os vultos do entardecer lhe atordoassem a visão. Talvez estivesse confuso e temesse lobos tão desesperadamente que quase chegasse a vê-los. Talvez estivesse deslumbrado com o poder de suas palavras e agisse assim por estar mais maravilhado com as mágicas possibilidades da linguagem do que atento à responsabilidade de seu uso. Talvez.
A moral da fábula, em sua versão moralista rasteira que atravessou tantos séculos de cartilhas escolares, é a de que o mentiroso perde seu crédito. Como se fosse sempre óbvio identificar que alguém mentiu. Como se o que se encontra em jogo nas comunicações fosse meramente uma questão de credulidade, que se ganha ou perde, até se esgotar. Como se a própria credulidade, que afinal existe, fosse efetivamente regulada por uma lógica linear e totalmente previsível de recompensas e punições. Talvez não lhe tenham ido dar socorro não tanto por lhe desacreditarem a palavra, mas muito mais por acharem-no chato e estarem já há tempos a torcer para que um lobo viesse devorá-lo. Talvez — ousemos hipóteses mais nefastas — seus próprios pais tivessem mandado um lobo até lá.
A moral da história bem poderia ser a de que não se deve repetir tantas vezes uma mesma mentira. Ou a de que se deve caprichar na mentira que se conta. Ou a de que a chatice pode ser mais perigosa que a mentira: talvez paciência seja algo mais raro, difícil e precioso do que credulidade. Na verdade, a moral da história bem poderia ser simplesmente a de que existem lobos, sim, senhor; e eles não são bichos legais.
sábado, março 27, 2010
Contra a geometria:
Porque no meio dos caminhos reais, entre os imponentes picos do maravilhosamente bom e do devastadoramente ruim, extremos cuja visão nos impressiona, entusiasma e assombra, atraindo para si quase a totalidade de nossas energias, desdobra-se incerto, sombrio e silencioso o inóspito vale do desconcertantemente péssimo, sempre pronto a devorar na banalidade de sua indiferença os alpinistas com seus sonhos, seus medos e seus barômetros escangalhados.
terça-feira, março 09, 2010
Do que pode haver de precioso
Uma vez que nosso tempo preza como nenhum outro o conforto e a fruição de estímulos prazerosos, chegando mesmo a prezá-los a ponto de os confundir com o ideal de uma boa vida, é natural que daí se siga uma demonização da dor e de toda e qualquer espécie de aflição ou sofrimento. Para um tempo em que um bom trabalho é aquele que se quer fazer, ou aquele pelo qual se é sobejamente pago, um tempo em que a boa saúde é estritamente aquela em que se podem contornar os desconfortos das doenças e prolongar a vida tanto quanto possível com o único objetivo de gozar aleatoriamente mais sensações gostosas, um tempo em que o ideal caricato de amor se desespera em busca de um monstrengo que conjugasse em um só momento estabilidade e êxtase, um tempo, enfim, em que a boa vida é aquela em que se sofreu pouco e em que a boa morte é preferencialmente anestésica, para esse tempo se anuncia a paulatina supressão da distinção entre as figuras do herói e da vítima, que tendem a se sobrepor e se confundir numa figura que época alguma julgara digna de ser cantada: um herói sem qualquer virtude notável, um herói cujo heroísmo se resume a suportar sofrimentos aleatórios que um mundo sem muito sentido lhe inflige, um herói que nada mais é do que um sobrevivente que pouco ou nada tem a fazer com a vida que carrega.
Tudo muito distinto das provações por que passavam heróis clássicos e mártires: heróis cujo heroísmo se manifestava na assunção da responsabilidade pela realização do trabalho que precisava ser feito a despeito da quantidade de sofrimento que isso pudesse causar, ou na assunção, em nome de um bem maior que sua existência, de um culpa que não era sua.
É uma indignidade típica de nosso tempo a confusão que reduz o valor das pessoas ao sofrimento por que passaram, como se fossem meramente a resistência a um mundo incompreensivelmente cruel, hostil e por vezes macabro, como se fossem enormes por terem sobrevivido ao mundo com o mérito de bactérias que resistissem a antibióticos potentíssimos, e não pelo que, a despeito de toda dor, às vezes chegam a se tornar. Ao se admirar a pura resistência material, a compaixão rouba o espaço da verdadeira admiração.
Nossos sentidos se perverteram a ponto de achar que o puro medo de cicatrizes é motivo suficiente para se fugir do que quer que seja e, como conseqüência disso, aprenderam a venerar aqueles que as carregam como criaturas admiráveis simplesmente por carregarem-nas, insultando com esse gesto tudo aquilo que pudessem ter de admirável de fato. Nossos sentidos não mais enxergam que uma cicatriz, em si e por si mesma, nunca é bela ou feia: é tudo o que se fez e faz a cada dia de todo seu contorno e sua história que pode chegar a ser belo. É todo o resto que, a despeito de um sofrimento que pode chegar ao inimaginável, se agiganta e ri desse sofrimento, ou simplesmente o ignora com certa altivez, o suporta com certa serenidade, demonstrando que o que realmente importa, a admiração que nada deve à compaixão, não se deixa reduzir a alegria e tristeza, prazer e dor.
É uma beleza que, quando surge, nosso tempo não compreende muito bem.
sexta-feira, janeiro 15, 2010
Um ano é um ano é um ano é um ano
domingo, julho 05, 2009
Tour de force
quarta-feira, novembro 05, 2008
cum grano salis
Mas devagar com o andor! Embora tenha o incontestável mérito de reconduzir as extravagâncias do nosso admirável mundo laico às suas bases mais tradicionais, à oportuna observação devem ser acrescentados quatro intempestivos escólios que, muito embora não a desmintam, mitigam-na (ou radicalizam-na, sob outro aspecto, conforme nossa posição em relação à arca), de modo que são de mister nesses tempos de ações afirmativas.
Em primeiro lugar, é de se fazer notar a força persuasiva que critérios quantitativos possuem nessas horas tenebrosas. Critérios quantitativos sim, e supostamente justíssimos, pois a salvação dos bichinhos, ao menos nesse caso, não exigiu ínfimo resquício de mérito individual. Não se salvaram por obras, é claro, e tampouco parecem ter sido salvos por algum tipo de predestinação. Tudo se passa como se, no fim das contas, a salvação randômica fosse o modelo mais verossímil de justiça em tempos de desespero.
Em segundo lugar, quando a porca torce o rabo — e ela sempre o torce —, os critérios quantitativos não são tãããão exclusivamente quantitativos assim, e logo se descobre que some animals are more equal than others. Porque para cada sete casais de animais puros (ex omnibus animantibus mundis tolle septena septena), um único casalzinho impuro foi aceito (de animantibus vero non mundis duo duo). O Genesis nada conta sobre os protestos dos leitões, por exemplo, mas é de se deduzir que tenham gritado até os pulmões estarem estufados de chuva.
Em terceiro lugar, e isso talvez soe politicamente incorreto, é muito importante observar que a retórica do quantitativo não se mostra bazofiadora apenas quando se saca da manga a distinção entre bichos puros e impuros (e qual mente perturbada ter-se-ia esquecido dela?!), mas os septena septena e os duo duo são apanhados em masculum et feminam (vão dizer que vocês acharam mesmo que a arca era lugar pra sodomia?!). Os impuros, enfim, até são salvos na razão de 1/7, mas os bichos de cardápio desnaturado, o que decerto incluiu vegetarianos...
Em quarto e último lugar, nunca pode ser esquecido que, ainda que a salvação quantitativa seja uma alternativa com precedentes bíblicos, uma tal idéia só entra em circulação quando o próprio Deus se arrepende de ter criado o homem na terra (pænituit eum quod hominem fecisset in terra), quando Seu coração se enche de profunda dor (et tactus dolore cordis intrinsecus); quando a coisa fica preta, enfim, e o mundo está prestes a acabar.
quarta-feira, maio 30, 2007
A desventura dos batismos
Se por um lado a enumeração extensiva de propriedades não faz surgir a essência do definido, por outro a indicação da raiz é facilmente ignorada pelo glutão que se perde na admiração dos exuberantes e inumeráveis frutos, de variadas tonalidades, dimensões, texturas, aromas e sabores. O glutão deixa de enxergar a árvore tão logo embrenhe seu focinho nos galhos a devorar a diversidade dos frutos, pois se esqueceu de que as diferenças só podem ser especificadoras quando se reconduzem a gêneros próximos. Somente a generalidade do gênero enraíza e radicaliza a especificidade das diferenças. Sem o lastro genético, as propriedades não indicam nada de essencial: apenas mascaram-no.
sexta-feira, novembro 24, 2006
Da delicadeza
Delicadeza que se expressa na afetada reivindicação por respeito e na virtualmente ilimitada capacidade de compreensão de uma suposta alteridade. O mundo se tornou de fato tão delicado que desapareceram como num piscar de olhos os diversos códigos de delicadeza que as gerações mais antigas cultivaram a um preço e esforço que mal conseguiríamos conceber. Hoje é delicado ser informal. Se tudo mergulhou na aura da informalidade — da linguagem aos sentimentos, passando pelos gestos e gostos, vestuário e compromissos — não é exatamente por termos nos embrutecido, mas por termos nos tornado delicados de fato, num sentido que causaria náuseas a homens que iam de cartola ao teatro e mulheres que usavam espartilho. Pois então a delicadeza era um modo possível de comportamento, e não uma propriedade das pessoas. O sentido de códigos de delicadeza era a explicitação não de uma natureza simples e obviamente delicada, mas da cultivada capacidade de agir delicadamente. Somente nesse sentido a delicadeza poderia aparecer como algo gracioso, pois tornada essencial dificilmente se pode diferenciá-la da mera frouxidão.
Não precisamos mais agir delicadamente porque nos tornamos delicados de fato. É como se os lábios não mais precisassem sorrir graciosamente porque todo o resto já sorri estupidificado. Com mais um pouquinho de dedicação a humanidade realizará em breve o supremo ato de delicadeza, e dará uma generosa gorjeta aos seus carrascos.