Descaminhos: julho 2014

quinta-feira, julho 24, 2014

Dos silêncios criminosos

Repetem-se à exaustão os versos daquele poema de Brecht, desvairada e vaidosamente dedicado às gerações futuras — essa entidade mítica e maximamente vazia em nome da qual o presente pode, sentindo-se integralmente desculpado de toda a sua covardia, hediondez e imundice, sorrir em pose de herói ungido para os flashes da posteridade  —, onde o poeta denuncia os tempos sombrios em que vive, nos quais uma conversa sobre árvores teria se tornado quase um crime por envolver o silêncio a respeito de tantas atrocidades. Sim, é verdade, havia e sempre permanecerá havendo algo de criminoso no nosso silêncio.
Mas que tempos ainda mais sombrios não são esses em que a consciência se afunda calculando imoralmente o incalculável e a opção pelo bem parece indissociável da eleição de um mal menor, em que escolher um lado certo tantas vezes se confunde com escolher a atrocidade de efeitos aparentemente menos abrangentes ou duradouros?  Que tempos ainda mais sombrios não são esses em que criminosamente silenciamos sobre certas barbaridades para não engrossar e legitimar o coro de causas que nossa consciência acredita ainda mais criminosas?
Pouquíssimas exceções à parte — mais objeto de uma hagiografia do que de uma história propriamente dita —, os homens parecem se diferenciar não tanto entre os que silenciam e os que não, mas muito mais entre os que criminosamente silenciam por medo da imprudência e os que criminosamente o fazem por essa tão surpreendente, nefasta e explosiva combinação de esperteza, vaidade e cômoda obtusidade. No fim das contas, tempos realmente sombrios são esses em que tão frequentemente parece que o que resta das escolhas morais é pagar o preço de decidir com que crimes estamos dispostos a sujar as mãos.