Descaminhos: Do inesquecível encontro amoroso

quarta-feira, dezembro 05, 2012

Do inesquecível encontro amoroso

Permanecem e permanecerão válidos os argumentos elencáveis em favor da célebre aposta de Pascal, que há séculos desperta tanta incompreensão por parte de pretensos refutadores, gente que não consegue ou se recusa a entender o que ali estava em jogo. Pululam ainda hoje as mais estapafúrdias tentativas de refutação, que passam ao largo do cerne do problema.
O que estava e está ainda em jogo nunca deveria ter sido entendido como um argumento em favor da existência ou eficiência de um certo caminho de salvação, nem como um argumento em favor desse ou daquele caminho, no caso de haver diversos; o que estava e ainda está em jogo é a impossibilidade radical do jogo para aquele que o compreende, a assimetria disjuntiva e, no limite, insustentável que a aposta revela. Aquele que compreende o argumento em sua lógica mais profunda, que compreende o que realmente se encontra em jogo, não consegue permanecer na hesitação ou na barganha, mas é compelido a se lançar no espaço dessa assimetria.
De um lado, temos uma perda finita com a expectativa de um ganho infinito; do outro, temos um ganho finito com a expectativa de uma perda infinita. As infinitudes de ambos os lados desarticulam de forma insuperável o quadro em que se acreditava ter escrito a equação. Se a incompreensão do quadro o reveste de ares de parvoíce, a compreensão de tal assimetria, por outro lado, inviabiliza qualquer vacilação: a aposta de Pascal, rigorosamente entendida, não é jamais uma aposta!
Para quem não enxerga a dimensão da infinitude que entra em jogo, a aposta soa ou bem como um embuste, uma armadilha tola da qual faceiramente se pretende escapulir, ou bem como algo relativo, recusável. Contudo, para aquele que compreende a natureza dessa infinitude, a aposta deixa de se apresentar como aposta ou jogo e se torna, no exato instante dessa compreensão, uma necessidade à qual ele não é capaz de se furtar e diante da qual perdas e ganhos finitos mergulham na mais completa insignificância. Essa compreensão, em outras palavras, rearticula a vida e os valores desse sujeito de forma tão profunda e inexorável que não é figura de linguagem dizer que ele deixa de ser quem era e que, fosse privado dessa compreensão, não mais se reconheceria a si próprio.
Ah, mas há complicações! Há o tempo, esse que sempre se vinga por nunca nos lembramos de o convidar; sua vingança é transcorrer de forma diferente para cada um de nós. E eis ali um fiel apostador que, não obstante tenha compreendido exatamente tudo o que estava em jogo para ele, e talvez justamente por isso, não obstante sua mais devota convicção, desespera do tempo desconhecido que se arrasta dilacerante entre o instante da aposta e o futuro incerto de sua resolução. Para encontrá-la e conhecê-la, afinal, o apostador haverá de aguardar a própria morte.
Há, contudo, um detalhe ainda mais cruel. Pascal não o menciona no famoso trecho em que fala da aposta, mas sua doutrina da gratia efficax guarda dificuldades bem maiores que as dificuldades lógicas de uma aposta que se desarma a si mesma e que as angústias psicológicas de uma resolução que custa a chegar.
Ainda que o vislumbre de um Paraíso, a compreensão de que ele existe e de que é possível entrarmos nele, ou mesmo a mera compreensão de que esse Paraíso possa existir e de que talvez possamos adentrá-lo, de modo que, portanto, a aposta nele seja, ao menos conforme o dita a inteligência, compulsória, ainda que, enfim, tal compreensão destrua qualquer hesitação que pudéssemos ter em apostar, ainda assim não há qualquer garantia de que a aposta seja suficiente para esse ingresso, ainda que o Paraíso realmente exista. Os jansenistas, e Pascal com eles, repudiam a gratia sufficiens do molinismo. A visão da possibilidade de redenção pode ser condição suficiente para o desejo do desejo do bem, mas não o é para a redenção ela mesma, ainda que se esteja certo a seu respeito.
Eis a crueldade que se esconde na aposta de Pascal: sim, o pecador que a compreender se verá transformado e desejará ser bom, auxiliado pela Graça desejará abrir mão de sua concupiscência degenerada, desejará repudiar os erros sedutores do mundo, desejará a nova vida, desejará a sua santificação tanto quanto seu coração agraciado puder desejar. Mas isso não quer dizer que ele será suficientemente bom. Isso não quer dizer, na verdade, quase nada.
Por certo que possa estar, o Paraíso não depende apenas dele. Talvez todo o seu coração, afinal, seja pouco; e a danação, ainda assim, o seu destino.

1 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

pare de mimimi.

15 de fev. de 2013, 16:50:00  

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