Descaminhos: grandes gestos

terça-feira, julho 03, 2012

grandes gestos

Já há tempos insisto que um dos maiores sintomas da miséria de nossa época é estarmos tão prontos a reconhecer, admirar e elogiar o que seria, sob critérios rigorosos, simplesmente o necessário, o razoável: não raro, tão somente o mínimo. É chegado há muito o tempo em que usar corretamente as vírgulas basta para que digam que você escreve bem.
Ainda assim, não foi sem um resquício de horror que recentemente observei alguns apelos espalhados pelo metrô de São Paulo que, na minha ainda tão inocente fantasia, só fariam sentido sob a chave da ironia. "Faça um grande gesto", exorta-se: antes de embarcar, permita que os outros desembarquem; mantenha-se à direita na escada rolante. Sombrios os tempos em que princípios de estrito bom senso são tomados por um "grande gesto". Ao que tudo indica, em alguns meses teremos por lá um "faça um grande gesto: não tente entrar ou sair do vagão antes de a porta estar aberta".
Passado um século sob a mitologia darwinista, falta muito, muito pouco para que a mera sobrevivência, em seus aspectos mais elementares, mais banais, seja elevada às excelsas alturas da glória do gênio humano e celebrada em hexâmetros dactílicos como o supremo gesto de heroísmo. Na verdade, falta apenas quem ainda ligue para a escansão.

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