Descaminhos: Um elogio aos pesadelos

terça-feira, julho 05, 2011

Um elogio aos pesadelos

Se sonhos forem, de fato, os meiozinhos de que dispomos para uma parcial realização de nossa concupiscência, não é de todo inconcebível que um homem que durante a vigília fosse suficientemente atormentado por seus desejos e que, em seu repouso, se encontrasse enredado pelas variadas e malfadadas tentativas de realização do mesmo viesse a sonhar, numa noite gloriosa, que não mais fosse capaz de sonhar. Para ele, o pesadelo de não mais sonhar seria o alívio máximo, a realização suprema de sua força vital, e se confundiria mesmo com um grau promissor de bem-aventurança. Despertaria, então, com o alívio que só pode ser experimentado e compreendido por aqueles que, ao despertarem de terríveis pesadelos, percebem-se na segurança da banalidade de suas camas.
Não se acentua suficientemente a ambigüidade do fato de que o despertar dos pesadelos é, não obstante os suores, a dispnéia e a taquicardia características, um momento muito mais apreciável do que o despertar dos mais maravilhosos sonhos, que em curtíssimo prazo não trazem senão a lembrança da frustração dos sonhadores. E, se Calderón de la Barca graceja que a la vida es sueño, Pascal lembra que ela é um sonho un peu moins inconstant. É dessa menor inconstância que vem o segredo de seu horror. Note-se que não é num pesadelo, mas sim em sua própria vida, que Gregor Samsa descobre o caráter pestilento de sua natureza.
Se sonhos se prestam a nos forçar a lembrar que a realizaçãozinha parcial de nossos desejos se funda sobre uma irrealização fundamental, os pesadelos possuem a saudável missão de, ainda que apenas pelos poucos instantes do despertar, fazer-nos esquecer do mal endêmico que há de nos acompanhar quando nos levantarmos da cama: um mal invariavelmente pior do que o pior dos pesadelos, posto que se traduz numa ânsia por novos sonhos e é à prova de qualquer despertador.

2 Comentários:

Anonymous Marina disse...

"Bão balalão,
senhor capitão.
tirai este peso
do meu coração.
não é de tristeza,
não é de aflição:
é só esperança,
senhor capitão!
a leve esperança,
a área esperança...
área, pois não!
peso mais pesado
não existe não.
ah, livrai-me dele,
senhor capitão!"

("Rondó do capitão", Manuel Bandeira)

Os Mutantes musicaram esse poema. Procura, que é bem bonitinho. :)

6 de jul. de 2011, 12:19:00  
Anonymous Marina disse...

Mutantes não, Secos e Molhados.Enfim, procura a música. =*

6 de jul. de 2011, 14:25:00  

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