Descaminhos: "A fina, a doce ferida"

terça-feira, abril 19, 2011

"A fina, a doce ferida"

Em alemão há um provérbio a advertir que não se deve pintar o demônio no muro. O sentido é claro, é rasteiro: sejamos otimistas. Por outro lado, há também quem sequer chega a pintá-lo, jurando tê-lo encontrado já desde sempre ali. Entre os dois cumes de estupidez, estende-se um vale repleto de vaidade daqueles que esmeram as pinturas, capricham nas tintas, tornando-o tão mau quanto se é precariamente capaz de imaginar. Compassivo, Brecht comentou, em um poema sobre a máscara de um demônio, que aquelas veias estufadas na fronte deveriam indicar, isso sim, o tanto que é enfadonho ser mau.
Com efeito, é preciso um bocado de vaidade para se pintarem os demônios tão malvados. Afinal, quase todos os desprazeres se devem à tolerância que temos com nossos próprios defeitos, sobretudo à nossa irresponsabilidade, à nossa e também à que, por conta da nossa, acabamos tolerando nos outros. Há uma lista tão comprida de aspectos da nossa sempiterna miséria que provavelmente deve ser bem raro que demônios cheguem a precisar se mobilizar por nós. Quem precisa da intervenção de demônios quando tão amiúde se tropeça nos próprios cadarços e em pedregulhos, pedregulhinhos?
Nem é tanto que não haja abismos; mas é que, de início e na imensa maior parte das vezes, a pusilanimidade é tamanha que sequer se chega a vislumbrar a beira deles.

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