Descaminhos: dezembro 2010

sexta-feira, dezembro 24, 2010

"Are these the shadows of the things that Will be, or are they shadows of things that May be, only?"

Se Papai Noel tivesse lido Nietzsche, talvez tivesse vergonha de suas pretensas boas ações, talvez sentisse uma saudável repulsa dos comportamentos merecedores que ele procurara inspirar. Saberia que um oceano de pusilanimidade pode estar — e em geral está — por trás de muito que há de belo, certo e precioso. Saberia que a esmagadora maior parte das crianças, adultos e velhos de todas as épocas simplesmente não eram merecedores de nada além do que pena — compaixão, talvez —, e que, se chegam a fazer coisas corretas, é por puro pavor diante do Ghost of Christmas Yet to Come. A suposta conversão do velho Scrooge, que há gerações encanta corações melequentos, não passa, contudo, da culminação de sua mendacidade: egoísmo, vaidade e covardia.
Se Papai Noel tivesse lido Mauss, talvez soubesse que dar um presente é sempre roubar algo daquele a quem se presenteia. Do compromisso tácito de uma direta ou indireta retribuição da dádiva à mera legitimação da expectativa de fruição de afeto, presentear sempre foi entendido como algo… perigoso, para se dizer o mínimo. O fato de o vocábulo inglês para "presente" significar, em alemão, "veneno", deveria ser sugestivo o bastante para se suspeitar que o ancestral anglo-saxão dessas línguas modernas reconhecia a experiência de algo como um aspecto venenoso das dádivas. Ou, conforme uma interpretação menos otimista, um aspecto dadivoso dos venenos. O presenteador oculto, figura tão estimulada em nossa época, é indício sintomático desse tempo em que se tenta burlar tudo para se devorar o melhor de todos os mundos, dessa promiscuidade que faz pose para acreditar que é honesta ao afirmar cheia de afetação que seus compromissos são o de não firmar compromisso algum.
Se Papai Noel tivesse lido O. Henry, talvez entendesse que os presentes mais sábios, prosaicos como uma corrente de relógio ou um jogo de pentes, são "too nice to use just at present": pertencem a uma outra temporalidade, uma tal que nunca se ajusta fielmente às circunstâncias. São deveras uma promessa. Raramente cumprida, ou mesmo nunca cumprida como se deseja, mas não menos legítima por isso.

domingo, dezembro 05, 2010

"Cantiga para não morrer"

Só porque uma sexta pode ser melhor que um domingo, e mesmo melhor que todos os domingos de uma vida, ainda que, olhando depois, ela pareça ter sido quem os tornou tão piores. Porque as coisas mais preciosas podem, sim, perder não apenas a preciosidade, não apenas a graça, mas até mesmo o sentido; "porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso", na tabacaria do poeta ou à mesa de uma cervejaria, não importa: é sempre irreal, sim. Só porque, às vezes, o querer não querer querer dizer alguma coisa não é maior que seu contrário; mas, felizmente, isso também passa, sim.