Dos silêncios criminosos
Repetem-se à exaustão os versos daquele poema de Brecht,
desvairada e vaidosamente dedicado às gerações futuras — essa entidade mítica e
maximamente vazia em nome da qual o presente pode, sentindo-se integralmente
desculpado de toda a sua covardia, hediondez e imundice, sorrir em pose de
herói ungido para os flashes da posteridade —, onde o poeta denuncia os tempos sombrios em
que vive, nos quais uma conversa sobre árvores teria se tornado quase um crime
por envolver o silêncio a respeito de tantas atrocidades. Sim, é verdade, havia
e sempre permanecerá havendo algo de criminoso no nosso silêncio.
Mas que tempos ainda mais sombrios não são esses em que a consciência
se afunda calculando imoralmente o incalculável e a opção pelo bem parece
indissociável da eleição de um mal menor, em que escolher um lado certo tantas
vezes se confunde com escolher a atrocidade de efeitos aparentemente menos
abrangentes ou duradouros? Que tempos
ainda mais sombrios não são esses em que criminosamente silenciamos sobre certas
barbaridades para não engrossar e legitimar o coro de causas que nossa
consciência acredita ainda mais criminosas?
Pouquíssimas exceções à parte — mais objeto de uma
hagiografia do que de uma história propriamente dita —, os homens parecem se
diferenciar não tanto entre os que silenciam e os que não, mas muito mais entre
os que criminosamente silenciam por medo da imprudência e os que criminosamente o fazem por essa tão
surpreendente, nefasta e explosiva combinação de esperteza, vaidade e cômoda obtusidade.
No fim das contas, tempos realmente sombrios são esses em que tão
frequentemente parece que o que resta das escolhas morais é pagar o preço de decidir com que crimes estamos dispostos a sujar as mãos.
0 Comentários:
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial