Muito já se perdeu quando o humor de uma época se conforma com o mero sarcasmo. Então é chegado o tempo em que as sutilezas, se não passam despercebidas, são quase “mau gosto”. O sarcasmo não é apenas uma “ironia cáustica”; a menos que tiremos as aspas com que as mãos afeminadas do povinho tudo tomam e compreendamos ipsissima verba a causticidade.
Enquanto a ironia opera com um certo encanto que está presente em todas as dissimulações, o sarcasmo opera tão somente com coices de asno, pois instalado num mundo sem aparências, que é essencialmente um mundo sem promessas, nada lhe resta senão o coice duro e o riso asinino para combater o mau combate, o combate em que quase nada está em jogo. A ironia joga com a distância que se descobre entre a linguagem e a realidade. Ela conhece os pontos cegos do real, que a miríade de metáforas das representações tangenciam sem nunca agarrar. Ela é, na verdade, uma última e serena opção, o genuíno salto no abismo, o salto pelo qual a linguagem se oferece em holocausto, torce-se pelo avesso, aniquila-se, e alcança, então, o inefável, o lado de lá, ainda que já não lhe seja mais capaz de representar.
Um mundo embrutecido inviabiliza as ironias. Em um tal mundo, a linguagem representa pouco demais, já não enxerga o abismo, já não tem mais tarefas. Um mundo com equívocos e aparências é um mundo repleto de encanto que postula negativamente a existência de um valor real e concreto para além das dispersões. Quando nossas mãos se tornam grandes demais para evitar que por entre os dedos se esvaia a distinção entre aparência e realidade — a que devemos quase tudo o que chegamos a ser — , o mundo se nos mostra planificado em uma implacável dureza contra a qual jogos de palavras nada mais podem. Restam os coices.
Sarcasmo, riso amargo, remonta etimologicamente em grego ao movimento herbívoro de se mostrar os dentes, o abrir a boca para pastar. Sarcasmo: essencialmente, humor eqüino, humor vegetariano. Entre as figuras do humor, o sarcasmo é de todas a menos humana. Se o homem é o único animal que ri, sendo portanto o único capaz de sarcasmo, o homem sarcástico é o mais próximo da cavalgadura. Ele próprio não nega isso, muito pelo contrário. É, na verdade, o primeiro a se rir de seu parentesco com as bestas. Com os olhos nublados, crê-se em posse privilegiada da verdade das mais altas destinações da humanidade, louva-se com arrogância diante de homens que ainda se levam a sério e que são, para ele, as verdadeiras bestas, não obstante falte muito pouco para que ele se ponha de quatro a relinchar escandalosamente.
Em um mundo sem metafísica, pululam os vegetarianos.