Descaminhos: Do sarcasmo

quinta-feira, julho 21, 2005

Do sarcasmo

Muito se perdeu quando o humor de uma época se conforma com o mero sarcasmo. Então é chegado o tempo em que as sutilezas, se não passam despercebidas, são quasemau gosto”. O sarcasmo não é apenas uma “ironia cáustica”; a menos que tiremos as aspas com que as mãos afeminadas do povinho tudo tomam e compreendamos ipsissima verba a causticidade.

Enquanto a ironia opera com um certo encanto que está presente em todas as dissimulações, o sarcasmo opera tão somente com coices de asno, pois instalado num mundo sem aparências, que é essencialmente um mundo sem promessas, nada lhe resta senão o coice duro e o riso asinino para combater o mau combate, o combate em que quase nada está em jogo. A ironia joga com a distância que se descobre entre a linguagem e a realidade. Ela conhece os pontos cegos do real, que a miríade de metáforas das representações tangenciam sem nunca agarrar. Ela é, na verdade, uma última e serena opção, o genuíno salto no abismo, o salto pelo qual a linguagem se oferece em holocausto, torce-se pelo avesso, aniquila-se, e alcança, então, o inefável, o lado de , ainda que não lhe seja mais capaz de representar.

Um mundo embrutecido inviabiliza as ironias. Em um tal mundo, a linguagem representa pouco demais, não enxerga o abismo, não tem mais tarefas. Um mundo com equívocos e aparências é um mundo repleto de encanto que postula negativamente a existência de um valor real e concreto para além das dispersões. Quando nossas mãos se tornam grandes demais para evitar que por entre os dedos se esvaia a distinção entre aparência e realidade — a que devemos quase tudo o que chegamos a ser — , o mundo se nos mostra planificado em uma implacável dureza contra a qual jogos de palavras nada mais podem. Restam os coices.

Sarcasmo, riso amargo, remonta etimologicamente em grego ao movimento herbívoro de se mostrar os dentes, o abrir a boca para pastar. Sarcasmo: essencialmente, humor eqüino, humor vegetariano. Entre as figuras do humor, o sarcasmo é de todas a menos humana. Se o homem é o único animal que ri, sendo portanto o único capaz de sarcasmo, o homem sarcástico é o mais próximo da cavalgadura. Ele próprio não nega isso, muito pelo contrário. É, na verdade, o primeiro a se rir de seu parentesco com as bestas. Com os olhos nublados, crê-se em posse privilegiada da verdade das mais altas destinações da humanidade, louva-se com arrogância diante de homens que ainda se levam a sério e que são, para ele, as verdadeiras bestas, não obstante falte muito pouco para que ele se ponha de quatro a relinchar escandalosamente.

Em um mundo sem metafísica, pululam os vegetarianos.

5 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Por acaso você já utilizou este nickname em salas de bate papo do mIRC, em canais de #filosofia há algum tempo atrás? Digamos em 1999?

21 de jul. de 2005, 19:37:00  
Blogger Gabriel Dirma Leitão disse...

É, provavelmente era eu mesmo.

21 de jul. de 2005, 20:28:00  
Anonymous Anônimo disse...

Foi você também que se interessou em montar um site sobre literatura, em que as pessoas publicavam textos próprios? Acho que o nome era Lareira...

23 de jul. de 2005, 12:21:00  
Blogger Gabriel Dirma Leitão disse...

Sim, fui eu. Nossa... isso tudo tem muito tempo mesmo.
O site já não existe há vários anos. Eu pelo menos saí de lá há mais de 4.

23 de jul. de 2005, 22:01:00  
Anonymous Anônimo disse...

É... eu me lembro que você não gostava de revelar sua identidade eu sabia apenas que o seu nome era Gabriel... bom, naquela época eu estava no segundo ano do ensino médio, descobrindo o que era filosofia e me lembro de conversar com vc... não me lembro de meu nick naquela época, mesmo porque já faz mesmo muito tempo... mas o meu nome já era Paulo.

23 de jul. de 2005, 23:55:00  

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