Da eutanásia radical
Lembro de um conto de Jenő Heltai em que um médico
é chamado para atender às pressas a um moribundo, o qual logo se descobre
se tratar da Morte em pessoa. Ao se deparar com seu paciente, um velhinho mirrado
e indefeso sobre o leito, o médico não consegue evitar a tentação de matar a
própria Morte e libertar o mundo de seu domínio. Confusão típica em que nossa
natureza limitada sói se enredar quando se aproxima de um universal com
cálculos e economias particulares: para aquele cuja missão ordinária é salvar vidas,
matar a Morte pode parecer um grande negócio, uma artimanha, um macete para, como
que por atalho, saltar ao grau derradeiro de excelência na execução de seus
serviços. Tudo se passa como se entre salvar vidas e salvar a vida em geral não
houvesse senão uma diferença de grau, uma picuinha gramatical.
Evidentemente, as boas intenções do médico
malogram, sucumbem à própria vaidade. Após ter cuidado para que a Morte
morresse, aquele velhinho caquético e aparentemente inofensivo que, a
experiência nos ensinaria diariamente, a despeito de seu estado já fazia colheitas
bastantes pelo mundo, o atrapalhado médico descobre, agora já tarde demais, que
o filho da velha Morte, um brutamontes monumental e desavergonhadamente
sanguinário, está pronto para assumir o posto do defunto pai.
Fica a lição conservadora de que são imperscrutáveis
os males maiores que um mal menor está a afastar; a lição metafísica da
descontinuidade entre os particulares e o absoluto; a lição teológica de que
combater o Mal no mundo não pode ser
confundido com a tentação orgulhosa de com as próprias mãos e méritos eliminar
o Mal do mundo; e a prosaica lição da
vitória do bom senso a nos lembrar que assassinar velhinhos agonizantes não há
de ser uma boa ideia, afinal.