Descaminhos: Da falta de espelhos

quarta-feira, agosto 24, 2005

Da falta de espelhos

O inferno de Sartre não tinha espelhos. Isso significa dizer que não havia possibilidade de falar de si mesmo em terceira pessoa. E o demônio por acaso conhece outros pronomes que não o eu?
Os
espelhos nos garantem que não somos simplesmente nós, mas que também podemos ser outros, que somos outros para alguém. Essa certeza delimita nosso próprio ser, funda os limites dentro dos quais nos constituímos e, ao mesmo tempo, permite que fujamos de nós mesmos nos tratando como personagens. Podemos ser outros aos nossos olhos, abrir um discurso sobre nossas falhas e fraquezas, dissertar sobre nossa vileza - um espelho instaura distância.
No
inferno nãoespelhos. Não é que o inferno sejam os outros, de fato, nunca gostei dessa formulação, que guarda sempre num impulso misantrópico uma discreta possibilidade de redenção. O inferno é a impossibilidade mesma de nos tornarmos outros para nós. É a condenação à eterna referência de si, o eu absoluto. E tudo o que desejaríamos seria um mísero espelho para cujo reflexo pudéssemos voltar nossa indisposição.
Mas não. Estaríamos entre quatro paredes e no inferno não haveria espelhos. nós e os outros, sem qualquer chance de troca de papéis.

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