Descaminhos: Da Transparência

quarta-feira, junho 14, 2006

Da Transparência

Não é beleza que falta à assim chamada arte popular. Tampouco sensibilidade, ternura, empatia — quaisquer que sejam as acepções mais ou menos imediatas por que esses termos sejam compreendidos. Também não se trata de recusar a esses objetos o poder de evocar deleitação estética, algum grau de satisfação ou agitação espiritual. Trata-se do excesso de transparência, e da conseqüente falta de promessa.
É como aquela moça que entra no café em que estamos, suas formas são lindas, seus traços delicados. Os cabelos podem escorrer macios pelos ombros, o caminhar erótico sobre os saltos, um vestido bonito revela as pernas macias, o decote atrai o olhar, talvez tenha aquele perfume de água e sabonete e, com tudo isso, talvez até nos arranque um sorriso e torça-nos o pescoço com algum resquício de discrição, mas não nos fará levantar e ousar um diálogo. Pois seus olhos são transparentes, sua alma é diáfana. Nós a fitamos e a atravessamos sem qualquer refração. E como que sem querer, com o peso da inevitabilidade das desgraças, nós sabemos, com ou sem consciência disso, de que já conhecemos o lugar de onde viriam todos os seus pensamentos e palavras. Sabemos já demais para que alguma promessa possa ser feita. Ela pode nos sorrir, e com isso nos trazer os vapores de uma ébria alegria, um agitar no corpo e no espírito, mas seu sorriso é transparente e nada promete: ele nasce e morre ali, na superfície dos seus lábios.

6 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Infeliz comparação. Infeliz argumentação.
Obras podem ser julgadas, avaliadas a um simples olhar. Em suas criações, os artistas se revelaram, expuseram sua alma. Mostraram o quão de consistência eles transmitiram.
Pessoas não são “reveláveis” ao mesmo simples olhar. Pessoas se resguardam.
Pessoas só oferecerão promessas a quem lhes interessar. Essas promessas não virão somente por olhares, virão principalmente por suas idéias. Só através do conhecimento delas que se pode verdadeiramente saber o que se promete ou o que se deixa de prometer.
A “moça do café com formas lindas, traços delicados” não é uma obra, é um ser.
A obra está ali, pronta, irretocável, já imbuída de tudo que seu autor quis ofertar.
A moça que “nada promete” não está traduzida em toda sua essência.
Formas, jeito de andar, sorrisos, não são critérios confiáveis de julgamento.
Espere a moça abrir a boca, proferir umas palavras, mostrar ideologias, sonhos, motivações, aí sim, poder-se-á dizer que “seu sorriso, nasceu e morreu na superfície de seus lábios”.

15 de jun. de 2006, 20:37:00  
Anonymous Anônimo disse...

Eu diria apenas que em alguns casos a arte popular é pseudotransparente. Como aquelas fachadas em trompe-l'oeil que fazem você acreditar que vê uma continuação da paisagem onde na verdade existe um muro.

São casos raros, admito. Mas é o que têm de melhor: quando acreditamos que já passamos por eles, pimba!, damos com a cara no muro.

17 de jun. de 2006, 04:10:00  
Anonymous Anônimo disse...

Não vejo problema na transparência! É claro que o mistério seduz, instiga, conspira ... Mas a transparência encanta! Ela é corajosa, não tem medo de deixar-se mostrar. Ser transparente requer ousadia, tanto de uma mulher, quanto de um artista circense! E é por isso que é justamente essa "falta de mistério", essa ingenuidade, essa entrega absoluta que me fascina na arte popular.

ps: Belo texto!

19 de jun. de 2006, 20:52:00  
Anonymous Anônimo disse...

O post mais superficial que vi aqui. Mas parabéns pelos OUTROS textos.

Conversa Portátil

30 de jun. de 2006, 12:36:00  
Anonymous Anônimo disse...

Vc continua meu preferido... Pra vc, sorrisos.. saudades...

21 de jul. de 2006, 14:16:00  
Blogger Cecilia Cavalieri disse...

nossa, adorei este lugar.

pq vc nunca me falou dele?

beijos,

28 de jul. de 2006, 15:50:00  

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial