Descaminhos: O Ödipuskomplex do Racionalismo

segunda-feira, novembro 14, 2005

O Ödipuskomplex do Racionalismo

Ao contrário do que um certo moralismo afetado se apressaria em pregar, a vileza nunca representou ameaça à virtude. Não, tampouco um crime ameaça a legislação que o condena. Antes disso: a sua existência a justifica.
Ab-surdus: aquilo que está para além de nossa surdez, nossos sentidos, lá onde eles já não mais alcançam. Sua presença, contudo, nunca foi um risco à audição. Muito pelo contrário: o absurdo sempre fora a derradeira fronteira que demarcava rigidamente um campo de positividade. A impossibilidade de qualquer outra possibilidade, anulação das estruturas de constituição de um discurso, o limite depois do qual todas as narrativas haveriam de se dissolver.
Ao estabelecer que, não importando de onde se partisse, nem tudo poderia ser dito, o absurdo era o espaço da negação, da grande interdição, que submetia cada voz a uma determinação que, em lhe ultrapassando, concatenava-a à dignidade e ao valor de uma eternidade. Negativo comum de todas as vozes, a presença do absurdo era o campo comum de todas as perspectivas, onde todas se faziam irmãs através de suas negações. Sim, ponto arquimediano às avessas, que fundava indiretamente a possibilidade e a dignidade do que seria dito ao demarcar aquilo que não seria: raductio ad absurdum.
Um dia, contudo, quando se quis alterar o mundo, os homens absorveram o absurdo dentro da racionalidade e, de um só golpe, aniquilaram ambos. O absurdo não foi superado, mas suprimido. Condicionando o absurdo às determinações de uma dada perspectiva, tornaram-no uma ficção qualquer, um capricho regional, quase uma gracinha, já sem qualquer autoridade sobre as outras aberturas de sentido. Órfãs e ­­­- vale até mesmo dizer, com um quê de psicose -, as narrativas todas se espalharam em infinitas direções: não havia mais lugares proibidos e, conseqüentemente (o que já era tarde demais para que compreendessem), não havia mais justificativas para que se assentassem em lugar algum.
Sim, puro nomadismo: e ainda há quem se orgulhe de ter voltado à idade das pedras.
O absurdo foi o pai da razão.

2 Comentários:

Blogger Sue disse...

Pois é, Gabriel querido, a virtude, ao contrário do que as tis velhas pensam, sente repulsa pela vileza, não atração.

Beijo saudoso e muito, muito coruja! :)

15 de nov. de 2005, 14:32:00  
Anonymous Anônimo disse...

Absurdo...terra inatingível dos deuses e mitos? fonte original da Poesia? silêncio, silêncio...

A alma quer sempre elevar a estas paragens, talvez por nostalgia, talvez por desejo de fuga...a linguagem falha; a Razão falha; Descartes falha...mas o desejo insensato não se aplaca...Perigosa viagem, perto a porta da loucura...e o homem avança...mas como?

Como Ulisses, i. e., com astúcia: para ouvir o proibido canto da sereia, se ata ao mastro, e escapa da perdição certa...Nosso tempo deveria aprender a lição do odisseu: para atravessar terras estranhas e proibidas, a astúcia e a inteligência deve ser nosso archote...

4 de jun. de 2006, 11:54:00  

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial