Descaminhos: Pequena Grande História dos mundos

sexta-feira, novembro 04, 2005

Pequena Grande História dos mundos

Não se trata de lamentação. Compreendei, é importante: houve duas, e não apenas uma queda.
Lá, in illo tempore, no tempo mítico em que tudo era atualmente uno, não havia signos. Esses só existem depois da primeira queda, depois do primeiro fruto da árvore do conhecimento, quando uma fratura se instaura. O Bom e o Mau aparecem, o conceito e o objeto, essência e aparência não mais coincidem.
Veio então o tempo em que coisas eram coisas e palavras eram palavras, e que a realidade, portanto, era algo não só independente de suas descrições como também a pedra de toque na avaliação de todos os nomes. O homem decaído ganhou uma tarefa clara: encontrar o verdadeiro nome do mundo, chave de compreensão genética de toda a realidade e de redenção, retorno à unidade fundamental.
Os filósofos, contudo, não encontraram o nome do mundo e fizeram uma descoberta de uma só vez genial e diabólica: não havia mundo para além dos nomes, nenhuma realidade para além de suas infinitas descrições. Eis a segunda queda. Num perverso sentido, uma unidade é reconquistada, mas está às avessas. Uma vez mais coincidem a palavra e a coisa, mas agora uma diferença fundamental e irrevogável se instala: a coincidência se deve à própria aniquilação das coisas, sua redução aos seus nomes. Os filósofos descobrem que só o que há são imagens do mundo, incomensuráveis entre si, e todos os nomes são tão somente efeitos das potencialmente infinitas e essencialmente contingentes imagens do mundo de onde foram gerados.
Orgulhosos de suas descobertas, que permitem aos mais incautos fazer chacota dos antepassados que entregaram inúmeras gerações na já então absurda tarefa, os filósofos não mais percebem que a segunda queda eliminou toda promessa de redenção que se abrira após a primeira. Tempo de esquecimento, não há mais saudades de casa, não há mais tarefas. Tudo o que há são palavras divertidas e essencialmente equivalentes.
Não, não haverá uma próxima queda. Nada há depois do esquecimento. Para os que ainda não se esqueceram completamente, contudo, há uma e somente uma tarefa fundamental.

1 Comentários:

Blogger evelyn disse...

Hum, então além de tudo ainda gosta de Mircea Eliade? a expressão "In illo tempore" é inconfundível.

E reitero: sim, imagino que você seria uma pessoa com quem eu gostaria muito de conversar.

Beijos

5 de nov. de 2005, 00:21:00  

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial