Originalmente falando, só de modo artificial e abstrato se pensaria a arte dos antigos separadamente de sua dimensão sagrada. Os primeiros desenhos nas paredes das cavernas, as primeiras manifestações sonoras, as primeiras narrativas, nada disso poderia ser concebido dissociado do caráter mágico aí envolvido.
Embora presente, importante e sistematicamente cultivado, o elemento estético estava essencialmente vinculado ao ético ou, dizendo de forma ainda mais simplificada, o belo era bom. Isso tudo é muito fácil de ser explicado e entendido, não obstante o significado real de tal relação ser praticamente impossível de se alcançar por nós que já nascemos velhos demais.
Seria interessante pensar essa relação pelo aspecto da eternidade aí envolvido. Não deixa de ser fundamental o ponto de que tudo aquilo de que tratava a arte, e continuou tratando até relativamente muito pouco tempo atrás, possuia um quê eternizável. A beleza era algo tão digno de eternidade quanto o próprio mundo — mais que isso, o mundo se tornava digno de eternidade por ser capaz de engendrar beleza. Se é verdade que na modernidade a cada dia o estético se emancipou mais do ético, o romantismo compensou a diluição da eternidade religiosa com o mito do gênio. Trocando eternidade por posteridade, uma medida paliativa que serviu bastante bem ao longo do século XIX, os românticos produziram o que está entre as coisas mais belas da nossa espécie.
A posteridade, no entanto, esvai-se. "Arte" contingente é o dejeto do último século. Nada mais é eterno. Até mesmo sobre as montanhas, como dizia Rilke, tremula o tempo. Posteridade, hoje, é quimera, o mito de um paraíso perdido.
— Quem sinceramente não tem o coração podre com a certeza de que nossa espécie desaparecerá um dia e que, num dado momento, não haverá qualquer alma no universo capaz de derramar uma lágrima ouvindo a Pastoral? — lugentemente murmura o Mundo.
A velha fórmula de Sileno é a cada dia mais real por aí: tudo o que existe merece desaparecer imediatamente uma vez que é certo que desaparecerá um dia. Quando não mais existe posteridade, e a própria vida é puro escárnio, a arte verdadeira é uma tarefa impossível.
Uma existência ridícula não pode produzir senão uma arte ridícula.
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