Descaminhos: Das Criancinhas

sábado, agosto 27, 2005

Das Criancinhas

Logo chegará o período de propagandas eleitorais e seremos todos bombardeados por imagens de criancinhas. Obviamente essa iconização não é casual.

Não mais se trata de crianças, mas sim de criancinhas. O sufixo, aqui, não é mero diminutivo. Uma criancinha não é apenas uma criança pequena.
No começo do século passado, há algumas décadas, portanto, revistas ensinavam aos jovens truques a fim de que parecessem mais velhos e que suas barbas crescessem. Hoje, homens feitos se esforçam descomedidamente para voltar à adolescência, mulheres empenham-se para se tornar novamente garotinhas idiotas e está instalado o culto à infantilização.
À serenidade, experiência, cautela e precisão, os eternamente jovens propõem sua absoluta falta de comprometimento com uma identidade e uma incrível energia carente de qualquer projeto realizador.
Em uma realidade estroboscópica, de que adianta todo o conhecimento? Diante da aparente inutilidade de tudo o que se sabia, todos se tornam crianças perante a incapacidade de orientação, crianças que já nasceram demasiado velhas e que sentem, com revolta, que uma vida inteira será muito pouco tempo para brincar no play. Antes, crianças eram futuros adultos; hoje, adultos são crianças que cresceram demais. O mundo se torna uma Disney gigante da qual é praticamente impossível escapar.
Uma criança é um ser-humano que nasceu há pouco e se encontra nos primeiros anos de seu desenvolvimento. Uma criancinha é o emblema da Virtude, em uma humanidade que se acredita (não de todo sem motivos, é verdade) repleta de falhas e sem coragem e direcionamento para qualquer nova tentativa. Uma humanidade, enfim, que suspira por redenção embora não faça idéia de onde encontrá-la.

Uma vez que a Razão nos deu Treblinka e os Gulag, o culto se dirige à icônica falta de razão e superficialidade. O mundo quer se ver inofensivo, encher-se de compaixão, inspirar cuidados. Uma criancinha é tudo aquilo de ingênuo, inócuo e inútil que o mundo contemporâneo desejaria ser se ousasse desejar.

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