Descaminhos: literatura pequena

terça-feira, novembro 01, 2005

literatura pequena

Há uns tantos por aí que encontram na suposta condição de minoria o mote para uma carreira medíocre. Da arte à política, passando pelas coisas do pensamento, a defesa de uma causa oprimida é sempre um bom pretexto para se camuflar o freqüentemente precário talento e a invariavelmente torpe disposição do espírito. O oprimido ressentido é uma espécie peçonhenta que em nenhum momento se dispõe a se apropriar da cultura que lhe domina; não!, ele prefere ignorá-la, expelir subprodutos, encarcerar-se para sempre nos limites do kitsch e vangloriar-se de sua franca incompetência para competir em pé de igualdade com aquilo que lhe oprime. Tivesse um espírito mais nobre e algum talento para sua atividade, haveria de se vingar com engenho e bom gosto, apropriar-se dela para ironizá-la, pervertê-la de dentro e, em corrompendo-a, enriquecê-la.
Contudo, essa é a tarefa dos nobres em sua sutileza. O que se encontra, ordinariamente, passa longe de apropriações. ‘Por que se arriscar a montar o cavalo, quando se pode tentar envenená-lo?’, assim pensam os ressentidos. Proliferam-se como mofo as vozes das minorias enquanto minorias, a lamentação esverdeada dos rastejantes que, com aversão metonímica, do ódio contra a opressão vão ao ódio contra a própria grandeza sem desconfiarem que em sua estupidez trabalham contra si mesmos e contra todos.
Numa palavra: fora tanta afetação! No dia em que a mulher for menos mulherzinha; e o gay, menos veado; e o negro, menos crioulo; e o idoso, menos velhinho; e os pobres, menos coitados; e a existência, em geral, menos carnavalesca, então talvez todos sejam capazes de tomar parte, desde suas especificidades engrandecedoras, na unidade do projeto de nossa cultura.

2 Comentários:

Blogger evelyn disse...

(4 posts atrás)

Curioso, que eu estive lendo ontem mesmo sobre Hume no livro do Cassirier sobre Iluminismo, e até então o 'marburgiano' insiste em colocá-lo numa linha oposta à tendência geral do pensamento Iluminista - marcada então pela crença inviolável na razão e os dilemas suscitados por ela (religiosos, historiográficos).
Como nunca estudei Hume, me causou alguma surpresa o trecho que vc postou, que contrastou severamente com a 'primeira impressão' negativa que eu tive dele. Muito lúcido, muito pouco afeito ao 'amusement', conforme antes tinha me parecido.
Qual é a obra em questão, por sinal?

Fora isso, não poderia deixar de mencionar o quanto têm me agradado os seus textos: impecável elegância de estilo e pertinência de conteúdo é um raro matrimônio.

Abçs

1 de nov. de 2005, 20:51:00  
Anonymous Anônimo disse...

MAIS ELOGIOS!!
Estou adorando ler seus textos, Gabriel. Você além de demonstrar domínio da norma culta da língua, sabe dosar informação e ironia com objetividade. Beijos.

2 de nov. de 2005, 18:51:00  

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial